Biografias: Cândido Sotto Mayor

Mecenato13 Setembro, 2013

Cândido Narciso da Cunha Sotto Mayor um dos transmontanos muito bem sucedidos no mundo dos negócios dos finais do século XIX e inícios da centúria seguinte

Biografias: Cândido Sotto Mayor

Cândido Sotto Mayor

Cândido Sotto Mayor nasceu a 26 de Outubro de 1852 em Lebução uma aldeia do concelho de Valpaços. Aos 13 anos começara a trabalhar como empregado de balcão de um pequeno comércio em Chaves, para pouco depois, em 1870, partir para o Brasil tendo ido trabalhar para a casa Sotto Mayor fundado por dois seus tios. Como se escreve em História do BPSM, «de tal modo se houve no seu novo emprego que anos volvidos era admitido como sócio da Casa, ao tempo o mais importante estabelecimento de fazendas por atacado do Rio de Janeiro. A ele se ficou devendo o notável incremento posteriormente verificado na firma, tendo raiz nela outras casas comerciais, igualmente categorizadas a que breve se juntaram importantes fábricas com milhares de operários».

Como escreve José Pires Lopes de Azevedo, é um familiar, Joaquim Felisberto da Cunha de Sotto Mayor, que nasceu em Lebução a 11 de Março de 1845, um dos fundadores da Casa Sotto Mayor tendo emigrado para o Brasil com 12 ou 13 anos. E as empresas de que foi sócio foram a forma Costa, Pacheco & Companhia, também no rio de Janeiro, a Araújo Costa & Companhia, de São Paulo e foi accionista das indústrias de Fiação e Tecidos Aliança, de Fiação e Tecidos Corcovado.

Cândido Sotto Mayor regressou a Portugal no início do século XX e fixou residência em Lisboa tendo adquirido a 17 de Junho de 1907 um terreno de 3609 metros quadrados por 12 contos 381 mil e 600 réis aos directores liquidatários do Bairro Camões. Pouco depois mandou construir um enorme palácio que dá para a avenida Fontes Pereira de Melo e ocupa um quarteirão. Mas não esqueceu a cidade de Chaves e ainda hoje perdura e é o mais antigo jardim da cidade que fica junto às margens do Tâmega no bairro da Madalena. A construção deste jardim custou 18 contos de réis e foi pago por Cândido Sotto Mayor que o ofereceu à cidade. Em 1915 o seu nome foi dado ao jardim e, mais tarde, foi colocado um seu busto na alameda principal. Mais tarde, em 1949, o seu filho Cândido Sotto Mayor Júnior fundou uma sociedade e por cento e vinte contos comprou o direito de exploração das Águas das Caldas de Chaves e os terrenos envolventes. Como contrapartida teria de fazer uma nova captação de água e no largo do Tabolado foi construído um balneário provisório que durante vinte anos foi utilizado. Nos anos 60 a empresa foi vendida à Câmara Municipal de Chaves por 1200 contos.

Como se escreve na História do BPSM, «nas vésperas de paquete para Lisboa as agências dos Bancos no Rio de Janeiro enchiam-se de gente que se atropelava com maços de notas brasileiras a fim de comprar cheques sobre Portugal. Esse fluxo de ouro não mais parava para as famílias portuguesas não podia passar despercebido ao espírito arguto de Cândido Sotto Mayor».

«Mais do que o capital dos dois jovens, António Vieira Pinto e Cândido Sotto Mayor Júnior, como alicerce na edificação dum grupo económico, que dir-se-ia o primeiro desse tempo, posto que os antigos vindos do século XIX se achavam em desagregação e os novos com origem no séc. XX apenas davam os primeiros passos balbuciantes, estava a fortuna de Cândido Sotto Mayor», escreve Sousa da Câmara. Foi a partir daqui que fundaram a Companhia de Seguros Luso-Brasileira Sagres a 3 de março de 1917 com um capital de 2 mil contos. Criaram pouco depois o Banco Colonial Português com um capital de 10 mil contos. O objectivo deste projecto era disputar os privilégios de banco emissor ao BNU. No exercício de 1922, apresentava um capital de 20 mil contos e cerca de 500 contos de reserva. No entanto, no Parlamento, já em 22 de agosto de 1919, Vitorino Guimarães dizia que «o Banco Colonial não tinha dinheiro bastante porque na verdade o seu capital era muito reduzido para um império tão vasto como o nosso império colonial. Parece-me escusado encarecer a importância do empréstimo gratuito, porquanto ela é bem manifesta para o desenvolvimento colonial». Em 1921 com o apoio e a colaboração da Associação Central de Agricultura Portuguesa constituiu-se o Banco Nacional Agrícola onde pontificavam Nunez Mexia e José Caeiro da Mata. Como se escreve em História do BPSM, «fazia-se uma aliança para o desenvolvimento da agricultura entre os proprietários das principais casas agrícolas do País, os mais brilhantes professores de Agronomia e os mais progressivos banqueiros de Lisboa». Em 1923, este fundia-se com o Banco Colonial Português, passando a chamar-se Banco Colonial e Agrícola Português com um capital de 45 mil contos. Em 1928 passou a designar-se banco de Agricultura tendo deixado de contar com a participação do grupo Pinto & Sotto Mayor.

Em 28 de Novembro de 1919, o grupo criou a União Eléctrica Portuguesa com o capital de 5 mil contos e que tinha a sede no Porto. Seguiu-se um empresa de gestão de fortunas, a Sociedade Portuguesa de Administração. Em 1920, surgiu a Companhia Portuguesa de Preparação de Carnes e, um ano depois, a Reanascença Gráfica, proprietária do Diário de Lisboa. Em 1923, a Ottosgráfica, que editava o Anuário Financeiro da Casa Bancária Pinto Sotto Mayor. Em 1927, criavam a Fosforeira Portuguesa.

«Como desejavam traçar projectos e acções sempre mais vastos ligaram-se então à Companhia Ocidental Portuguesa que em 1922 tinha 3200 contos de recursos próprios e à Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos que, por esse tempo, possuía um capital de 1500 contos».

A criação do Casa Bancária Pinto & Sotto Mayor em 30 de Julho de 1914 resultou do encontro no estabelecimento de câmbios e papéis de crédito de José Ferreira Chumbo de Cândido Sotto Mayor Júnior e António Vieira Pinto. Este, que nasceu a 2 de Julho de 1888, estudara no colégio dos Carvalhos em Vila Nova de Gaia e iniciara a sua actividade bancária como empregado na antiga casa de Câmbios Primavera na rua Augusta. Tinha 26 anos. Cândido Sotto Mayor Júnior tinha 23 anos, era bacharel em Direito. Segundo a escritura de constituição o capital de trinta mil escudos repartia-se entre Cândido Sotto Mayor Júnior com 20 mil e António Vieira Pinto com dez, embora cada um dos sócios recebesse o mesmo em dinheiro: «os ganhos e perdas serão repartidos pelos dois sócios em partes iguais». Nessa altura, existiam 29 bancos comerciais portugueses com um capital de 38 192 contos. A I Guerra Mundial eclodira dias antes, a perspectiva era, como diz a História do BPSM, «que o movimento da guerra ias acelerar a marcha ascensional dos negócios».

Mas as dificuldades do pós-guerra a fazer aumentos de capital. Em 9 de Junho de 1919 subiu para mil contos, e os sócios passaram a repartir equitativamente o capital. Em 29 de Junho de 1921 para 9 mil contos. Em 26 de Março de 1925, o capital passou para 30 mil contos. Os dois sócios entram com 21 mil contos e procuram novos sócios como Cândido Sotto Mayor com 9600 contos, Joaquim Sotto Mayor com 200 contos e mais 25 accionistas. Como refere a História do BPSM, «para o caso concreto da Banca, temos que a desvalorização da moeda provocou primeiro a multiplicação do seu número e depois a sua falência. Em 1925 havia 24 bancos, um número sensivelmente semelhante ao de antes da guerra. Só que o capital nominal da Banca mais os fundos de reserva quando computados em ouro estavam longe do que eram antes da guerra. Esses valores nem sequer chegavam a metade do que tinham sido, somente por força dos depósitos e contas correntes gerais do crédito deviam andar pelos de 1914».

Entretanto, os sócios da Casa Bancária tinham fundado em 1918 o Banco Português do Brasil com sede no Rio de Janeiro e filiais em São Paulo e Santos. «Só que a concorrência não perdoa o êxito. Em Janeiro de 1921 produziu-se no Parlamento um acalorado debate relativo à Agência Financial Portuguesa do rio de Janeiro que tratava das remessas dos emigrantes, posto que esta tinha sido integrada, por contrato, num estabelecimento bancário, o Banco Português do Brasil. Depois disso, determinou-se que a Agência Financial Portuguesa do rio de Janeiro fizesse exclusivamente o seu movimento cambial através da Caixa Geral de Depósitos».

Em 1920, a casa bancária iniciou a expansão bancária com a aquisição do banco de Chaves, fundado em 1875, e num região em que Cândido Sotto Mayor tinha vários negócios. Seguiu-se em 1923, o Banco Mercantil de Viana que fora criado no mesmo ano de 1875.Em 1925 contava já também com balcões no Porto, Coimbra e Braga. Em 28 de Março de 1925 transformou-se em Banco Pinto & Sotto Mayor.

Os anos seguintes são de reestruturação e o banco começou a perder a sua vocação de crédito industrial para apostar nas vertentes mais comerciais que então se consubstanciavam no desconto de letras e nos depósitos à ordem. Como refere Câmara, «imprimir à instituição o carácter de banco de crédito e desconto, quando inicialmente estava vocacionada para a área dos financiamentos, não devia ser trajectória fácil». No fim de 1927, o banco passara a ter uma vocação eminentemente comercial e como participações estratégicas ficavam as da Companhia Colonial do Buzi, da União Eléctrica Portuguesa e do Banco de Portugal.

No princípio de 1926 sofreu também um rude golpe com a retirada, por motivos de saúde, do accionistas e vice-presidente, António Vieira Pinto que viria a falecer a 19 de Março de 1927. Este banqueiro fora uma figura de múltiplas facetas e não se limitava a utilizar nos negócios as suas «apreciáveis qualidades de trabalho e inteligência» e a «grande energia» como se referia no obituário publicado pelo O Século. Quando pela Lei da separação da Igreja e do Estado, o Patriarcado teve de abandonar foi António Vieira Pinto que conseguiu o palácio no Campo de Santana. Por outro lado, quando foi retirada a pensão da Academia a Bulhão Pato, logo se moveu para resolver o problema do escritor com 80 anos. Mas também Cândido Sotto Mayor se deixara enlevar pelos princípios filantrópicos. Como se escreva na Enciclopédia Luso-Brasileira, «a fortuna não sufocou os generosos e altruístas instintos do seu coração, pois a sua obra beneficente foi vasta nos dois países de língua portuguesa. Sempre fugindo à publicidade, protegia creches, hospitais, instituições culturais e patrióticas, tendo fundado em Lisboa, em homenagem a sua filha, a Vila Cândida, constituída por moradias para operários».

Mas o ano de 1927 foi aziago para o Banco. Em Fevereiro desse ano, durante a revolução que estalara contra o regime militar, Cândido Sotto Mayor veio a uma das janelas do palacete para espreitar e uma bala perdida estilhaçou os vidros que o feriram e cegaram. Como se referia numa escritura em que participou, Chandido Sotto Mayor não assinou «por estar privado de vista em consequência da doença de que sofre nos olhos». Pouco depois recomeçou a sua vida não deixando mais de participar nas reuniões da administração das empresas em que detinha capital.

Faleceu a 29 de Outubro de 1935 contava 83 anos. Como se escreveu no Relatório e Contas de 1935, «no próprio dia da sua morte e poucas horas antes do seu falecimento tomou ainda conhecimento da posição das principais contas do Banco, podendo dizer-se com rigorosa exactidão que por ele se interessou e trabalhou até ao último dia da sua vida laboriosa e honrada vida».
Quem fica como seu herdeiro é Cândido Sotto Mayor Júnio que assumiu a presidência, para em 1943 ceder a sua posição a Manuel Henriques Júnior por força dos negócios herdados no Brasil. Faleceu a 19 de Março de 1950 no Rio de Janeiro tendo sido sepultado no cemitério dos Prazeres a 13 de Maio.

Ligação com o BES
Em 1920 Cândido Sotto Mayor participou na criação do Banco Espírito Santo a partir da transformação da Casa Bancária Espírito Santo & Irmãos. Em Julho desse ano os directores, era assim que então se denominavam os administradores, propunham a duplicação do capital para os 7200 contos através da emissão de 40 mil acções. Nessa altura, como os accionistas não tivessem usado o direito de preferência, houve uma espécie de tomada firme do aumento de capital e as novas acções foram integralmente subscritas, em partes iguais, pelo Banco Colonial Português e pela Casa Bancária Pinto & Sotto Mayor, entidades financeiras em que predominava Cândido Sotto Mayor. Este banqueiro era amigo de José Maria do Espírito Santo e Silva, foi um dos accionistas da primeira emissão de títulos do BES, e chegou a ser presidente da Assembleia Geral. Poucos meses depois, a Casa Bancária Pinto & Sotto Mayor tinha 2.500 acções e o Banco Colonial 2.000. A última participação destes accionistas registou-se em 1925.

Bibliografia
José Pires Lopes de Azevedo, Palácio Sotto Mayor- Extractos da História, Sociedade Figueira Praia, Figueira da Foz, 1999
João de Sousa da Câmara, História do Banco Pinto & Sotto Mayor 1914-1989, 1989

A ler
João de Sousa da Câmara, A genealogia da banca em Portugal
Diário de Notícias, 30-10-1935
Diário de Notícias, 20-3-1927
Diário de Notícias, 13-5-1950
O Século, 20-3-1927
Diário de Lisboa, 21-3-1927
Amaro D. Guerreiro, Banco Pinto & Sotto Mayor: 50 anos ao serviço da Economia Nacional, 1964