António Champalimaud foi um destacado empresário português, que dedicou parte da herança para a criação de uma instituição dedicada à investigação e ciência – A Fundação António Champalimaud
António Champalimaud
António Champalimaud nasceu em Lisboa a 19 de Março de 1918. Até aos dez anos viveu na Quinta da Marinha, que eram praticamente mil hectares entre a costa e a montanha de Sintra, numa casa que ficava perto do actual hipódromo, «rodeada por um matagal infinito», relembra António Champalimaud. Foi na Quinta da Marinha e também nas quintas do Douro, da família paterna, que tomou corpo uma das suas mais duradouras fixações – a caça. Cedo aprendeu a andar a cavalo, no Douro.
Em 1928, António foi estudar com os jesuítas que tinham educado o pai. Primeiro no Colégio La Guardia, na Galiza, em frente a Caminha. Neste colégio, AC jogava o futebol como ponta direita e dedicava-se aos estudos,. «Os jesuítas deram-me capacidade de me hierarquizar e de prestar atenção ao detalhe» dizia ele. A passagem pelos colégios de jesuítas afastou-o da prática religiosa, embora não se considerasse ateu.
Em 1933, estudava no Colégio Académico e tinha como projecto de vida ingressar na Faculdade de Ciências, pelo que estava a frequentar disciplinas como Matemática e Físico-Química. Sempre ligado sobre às técnicas, às engrenagens mecânicas e com uma insaciável curiosidade, não admira que lhe chegue a loucura das velocidades que expandiu nas motos (de que foi sempre o mecânico), frequentando o que se chamava o poço da morte, e nos aviões, tendo aos 17 anos tirado o brevet de piloto na escola de aviação de Alverca. Por outro lado, não deixava de ler, e como o pai recorria muito a imagens, ideias e exemplos relacionados com a mitologia grega e romana, António mergulhou nas narrativas de história e da mitologia sobre a Grécia Antiga e Roma que havia na biblioteca em casa. A sua preferência foi para Cícero e para as suas Catilinárias e Filípicas, leu exaustivamente Plutarco e Shakespeare. E como os seus sonhos de grandeza não tinham o alcance do olhar, assimilou tudo o que se relacionava com Alexandre e Napoleão, e, mais tarde, Henry Ford, que foi um imperador de uma nova gesta.
Ao fim da tarde de 5 de Maio de 1937, quando conduzia o carro, de regresso a casa Carlos Champalimaud sofreu um ataque cerebral e faleceu. Entretanto, a Companhia Geral de Construções, que desde 1921 tinha as suas grandes empreitadas em Angola, acumulava dívidas, pois a empresa concorrera a uma empreitada da linha férrea Luanda- Ambaca e a obra acabara em contencioso. E só ao Banco Comercial de Lisboa, nessa altura em fusão com o Banco Espírito Santo, devia 13 mil contos. Por outro lado, um negócio 500 pipas de vinho do Porto para Inglaterra estava quase a esboroar-se. Mas este negócio acabou por fazer-se porque do outro lado estava Peter Yates, um octogenário que era dono da importadora Wine Lodge e que passara a juventude em Portugal, vinha de férias ao Estoril, hospedava-se no Hotel Palácio e conhecia bastante bem o país. E foi este negócio que levou António Champalimaud a fazer a sua primeira viagem ao estrangeiro. Em 1938, foi a Inglaterra, onde passou várias semanas. Mais tarde seguir-se-iam deslocações a Madrid e a Paris. Com a morte do pai, o conselho de família defendia que se deveria vender bens para equilibrar a vida da família. A mesmo opinião foi partilhada pelo juiz do Tribunal de Menores. No entanto, António Champalimaud comprometeu-se a solucionar os problemas sem colocar em causa os bens familiares. Nessa altura começou a trabalhar na Rua do Alecrim nº 65, onde no 1º andar ficavam as instalações da Companhia Geral de Construções com 12 empregados. Endividado, António Champalimaud conta com o apoio de Ricardo Espírito Santo Silva.
Em Maio de 1940 conhece Maria Cristina de Mello, filha de Manuel de Mello, neta de Alfredo da Silva. E é em 1941que se casa. Ficaram a viver na Quinta da Marinha, na zona da Guia, numa casa afastada da velha moradia dos seus pais. Em 1942, em assembleia ordinária, António Champalimaud, aos 24 anos, torna-se, a instâncias do tio Henrique Sommer, administrador (então dizia-se director) da Empresa de Cimentos de Leiria, enquanto o irmão Henrique passa a integrar a gerência da Sommer & Ca. Nesse mesmo ano, Alfredo da Silva morre, nasce o bisneto António Carlos, primogénito do casal Mello-Champalimaud (teriam mais cinco filhos) que faleceria em acidente de viação em 1978. Em 1944, as relações de forças empresariais entre as duas famílias tornou-se menos desequilibrada, por um lado, porque António Champalimaud, por morte do tio Henrique, assume o comando das cimenteiras, e herda bens. Por outro lado, começou a criar-se uma emulação entre António e os cunhados, sobretudo Jorge de Mello, que dá os primeiros passos na gestão do Grupo CUF. Na segunda metade dos anos 40, e para os negócios em África, António Champalimaud socorre-se de empréstimos junto da Casa Bancária José Henriques Totta, gerida pelo seu sogro, Manuel de Mello. E a dada altura socorre-se das acções das tias Maria Luísa e Albana para avalizar um empréstimo junto daquela casa bancária, depois Banco Totta & Açores.
A 26 de Outubro de 1944, parte para Moçambique no paquete Angola para ultimar a aquisição da Fábrica de Cimento Portland de Moçambique na Matola. Era uma unidade decadente, propriedade de uns ingleses que abriram falência. Estava em poder do BNU, entidade credora, que em 1941 tinha decidido vendê-la. Neste ano tinham terminado os privilégios da Companhia de Moçambique, o que despertava mais interesse. Já em Moçambique faz as suas primeiras caçadas em África e vê nascer a sua filha Cristina. Em Portugal movimentara as suas influências e a 21 de Dezembro de 1944, com o apoio indirecto de Salazar, é-lhe vendida a fábrica da Matola. A 9 de Janeiro de 1945 requerera licença para uma outra fábrica de cimento próxima da Beira, no Dondo, À construção desta fábrica no Dondo, entre 1947 e 1951, seguiu-se a de Nacala, entre 1960 e 63.
Quando na viagem de 1944, António Champalimaud passa pelo Lobito não é por turismo. Sabia que havia possibilidades de montagem de uma fábrica de cimento nesta região. A 9 de Abril de 1946 foi constituída a Companhia de Cimentos de Angola em que participava a Secil, que saiu meses depois. A fábrica começou a funcionar em 1952..
Em 1944, na proposta de lei sobre o fomento e reorganização industrial pelo Governo, a «metalurgia de ferro» como se dizia, estava entre as actividades a instalar em Portugal. Mas faltavam os estudos preparatórios. O que se seguiu, em 1948, foi a criação de uma comissão, para determinar as bases da instalação da indústria. Estes estudos só viriam a estar terminados em Junho de 1952 quando foi publicado o despacho orientador, onde se formulavam as directrizes gerais a seguir na criação da siderurgia. Nessa altura, António Champalimaud requereu em nome da Cimentos Tejo autorização para instalar a siderurgia integrada. Dizia: ?fui eu que concebi a siderurgia integrada, a única que me interessava pôr de pé. Era Ferreira Dias quem dizia que considerava o mais inepto dos portugueses aquele que projectasse uma siderurgia sem ser por forma integrada, isto é, que não fosse desde o minério e o carvão até às chapas e perfilados de aço?. Em 1955 era publicado o Alvará n°13 pelo qual se concedia à SN o exclusivo de exploração de dez anos, abrangia o fabrico de gusa e aço em lingotes, a laminagem a partir de minérios, cinzas de pirite e sucatas, o fabrico de bandas para tubos, de barras e perfis correntes, chapas para a construção naval e folha-de-flandres.
Em 1957, o combate pela Siderurgia Nacional e o início do Caso Sommer foram a gota de água que levou a ruptura do casamento com Cristina Mello.
Quando Henrique Sommer faleceu em 1944 foram seus herdeiros a viúva, as irmãs e os sobrinhos e as disposições testamentárias tiveram por base um testamento feito em Janeiro de 1943 e uma carta de Outubro de 1942. Toda esta cautela tinha como causa litígios familiares de partilhas. O cunhado de Henrique Sommer, João Osório, sustentou e ganhou uma causa ao sogro Henrique de Oliveira de Sommer porque este entendia que não devia partilhar os bens porque só a ele lhe pertenciam, pois fora ele que os comprara. Este era casado em regime total com comunhão de bens adquiridos e, por morte da sua mulher, o genro João Osório, casado com a filha Albana, reclamou a parte que a esta cabia na herança da mãe. E após vários anos a causa fez vencimento desde a 1ª instância até ao Supremo. Henrique Araújo de Sommer sustentou com José Ribeiro Teles, ?um sério pleito de partilhas, por morte de sua mulher, obrigando-o a sair de Sommer & C, Lda?. No entanto, estava escrito que não teria descanso.
Em Março de 1957, começa o Caso Sommer. O que em princípio seria uma querela de partilhas entre irmãos desavindos, transforma-se no fim dos anos 60 num dos maiores e mais longos processos da história judicial. Dezasseis anos depois fecha-se o parêntesis com centenas de crónicas dos jornais, de fólios nos tribunais – cerca de 100 volumes e 50 mil páginas e vários livros.
Em Julho de 1968, o processo chega ao 1º Juízo Criminal de Lisboa. Para este processo António Champalimaud arrolou 40 testemunhas e entre os causídicos que o defenderam estiveram Sidónio Rito, Francisco Salgado Zenha, Francisco Sousa Tavares, Manuel João da Palma Carlos e Daniel Proença de Carvalho. Esta abundância não teve só a ver com as vicissitudes do processo. Em Abril de 1960, um panfleto anónimo referia que desde o início das hostilidades, em 1957, António Champalimaud já recorrera a 17 advogados.
Entretanto, um outro processo paralelo se inicia. Em 1 de Novembro de 1960, a Transformal, empresa controlada por António Champalimaud, apresentou queixa contra o seu antigo gerente, Henrique Champalimaud, acusando-o de desfalque e burla perpetrados entre 1954 e 57. Em 22 de Abril de 1961 o processo foi remetido para o 1º Juízo Criminal, tendo sido deduzida acusação um mês depois. Esteve quatro anos parado, regressa de novo à Polícia Judiciária durante três anos e em 14 de Fevereiro de 1969 a acusação chega ao juiz.
No início dos anos 50, o Grupo CUF era mais diversificado que o Grupo Champalimaud. António Champalimaud queria entrar na área financeira pelos seguros, pois o grupo Champalimaud era um excelente cliente das seguradoras do Grupo Espírito Santo. Por isso, António Champalimaud propôs-se comprar a União, uma pequena seguradora controlada pela Tranquilidade, mas José Espírito Santo, sem nunca dizer que não, escusava-se à formulação do negócio. Entretanto, descobriu que uma pequena seguradora do Porto, a Confiança, estava à venda. Pertencia ao dono de 80% do BPSM, o industrial de resinas Manuel Henriques Júnior. Na conversa que teve com o industrial, este só se mostrou disponível para vender tudo, banco e seguradora. Quando António Champalimaud entra no sistema financeiro, em 1961, as circunstâncias conduzem a uma crise na liquidez bancária. Com a eclosão das guerras anti-coloniais em Angola, dá-se a fuga de capitais e o défice na balança de pagamentos levou à restrição na emissão de moeda fiduciária pelo Banco de Portugal. Foi nesta altura que António Champalimaud entrou na área financeira que estava a viver uma agressividade à medida do seu espírito de predador. E na primeira metade dos anos 60 deu-se a corrida à constituição de redes bancárias, que asfixiaram os pequenos bancos regionais, aproveitando-as para a captação de novas poupanças como os depósitos de emigrantes, que viriam a ganhar peso decisivo a partir de 1966-67. E é nesta altura que o caso Sommer ganha maiores contornos.
As quase 400 sessões do julgamento tornaram-se num requisitório do capitalismo português e uma tribuna contra o arbítrio do regime abalando profundamente o governo de Marcello Caetano e os empresários que o apoiavam. Neste folhetim acompanhado atentamente pelos jornais discutiram-se ordenados e prebendas de figuras gradas ao regime e envolveu-se a fina flor das élites económicas, jurídicas e sociais.
O industrial, desde que o processo chegara, devido à investigação da Polícia Judiciária, ao 1º Juízo Criminal de Lisboa, em Julho de 1968, começa a recear pela sua liberdade pessoal. E com razão. A Judiciária enviara à PIDE, em Junho desse mesmo ano, uma carta onde pedia que ?fosse interditada a saída do País (Continente) ao nacional António de Sommer Champalimaud, Administrador industrial?. E informava da existência ?de um barco e avião privativos, que podem ser utilizados por aquele indivíduo na deslocação para o estrangeiro, e que costumam encontrar-se, respectivamente, na Baía de Cascais e num aeroporto situado na região de Tires, pelo que ouso solicitar a V. Exª especial atenção para este facto?.
EM Fevereiro de 1969 António Champalimaud sabe que tinha sido emitido um mandato de captura sobre a sua pessoa. Deixa de lado a sua avioneta e barco, vigiados, e parte com a sua filha Cristina de automóvel para o Alentejo, para uma propriedade de amigos seus, já que a sua herdade do Belo, em Mértola, comprada em 1962, estava sob vigilância. Aqui, espera uma avioneta pilotada por Luís Lino, seu cunhado. E voa até Espanha, de onde parte para o México, seu lugar de exílio até 1973.
Mesmo no estrangeiro, o industrial continuava a controlar os seus negócios, se bem que de uma forma mais atribulada, e tinha congelado alguns projectos de maior relevo.
Em 10 de Julho de 1970, após uma combinação telefónica prévia, António Champalimaud encontrou-se em Paris, no Hotel Ritz, com Arthur Cupertino de Miranda e comprou-lhe um lote de 150 mil acções, ou seja 22,4% dos 38% que Arthur Cupertino detinha por um milhão de contos a valores actuais. Como não perfazia ainda os 50%, adquiriu também as acções de João Rocha, cerca de 10%, que fora o grande intermediário do negócio. Entretanto, Arthur Cupertino de Miranda ter-se-á arrependido do negócio, e, por sua vez, os administradores decidiram evitar que o BPA caísse nas mãos de António Champalimaud, exilado no México e com mandatos de captura.
O presidente do Conselho, Marcello Caetano, conseguiu que o Governo fizesse o célebre decreto-lei 1/71 de 6 de Janeiro que, com efeitos retroactivos, criava condições para a reversão do negócio. Com base neste decreto, saído do ministério da Justiça, as reuniões de conselho de administração e do conselho fiscal de 13 e 14 de Janeiro de 1971 recusaram o consentimento para a venda das acções, o que foi confirmado por despacho do Ministro das Finanças de 19 de Janeiro de 1971.
Em 1973, António Champalimaud foi ilibado por todas as instâncias e pela unanimidade de todos os juízes que o julgaram, incluindo os do Supremo Tribunal de Justiça. Quando em 17 de Julho de 1973 o Diário de Notícias titulou ?Terminou o caso da herança Sommer?, o julgamento ia na sessão 427. Nesse mesmo dia, a DGS recebe uma carta do tribunal, informando que ?deixou de interessar a este 1º Juízo criminal de Lisboa a captura do réu António de Sommer Champalimaud, por o mesmo ter sido absolvido por acórdão de 16 do mês corrente?. O caso tinha chegado ao fim.
A 30 de Abril de 1974, na Cova da Moura, António Champalimaud e outros grandes empresários são recebidos por António de Spínola, que tinha sido administrador da Siderurgia Nacional. Nessa reunião, segundo relato do Diário de Lisboa dessa data, AC disse ?que a liberdade não se podia limitar à expressão da palavra, mas tinha de ser extensiva à banca, indústria e comércio? e, criticou o regime de condicionamento industrial do antigo regime dizendo ter ?limitado drasticamente a capacidade de acção dos homens de iniciativa? e que eram necessárias ?reformas rápidas de natureza económica e financeira que permitam maior criatividade por parte da iniciativa privada?. Leitor e amigo de Friedrich Hayek, uma dos papas do liberalismo, António Champalimaud nunca soube conciliar o espírito liberal com as atitudes autocráticas, convivendo mal com a democracia, e, sobretudo, com o 25 de Abril, que considera ?a maior desgraça que sucedeu a Portugal desde sempre?.
Por altura do 11 de Março de 1975, António estava em Paris, pois nunca esqueceria uma reunião em 1975 com João Cravinho, em que este lhe anunciava a eminência da nacionalização da Siderurgia Nacional, enquanto o seu filho Manuel é preso a 22 de Abril. Mas Champalimaud ainda não vira tudo. Segundo um despacho do Ministério das Finanças, então dirigido por Francisco Salgado Zenha, e publicado no diário oficial a 10 de Junho de 1976, foi ordenado o congelamento dos bens pessoais de António e dos então seus genros Luís Lorena e Luís Lino e em que o episódio mais caricato foi o aprodecimento e afundamento do iate em Vilamoura. Pouco depois, a Cimpor, empresa pública de cimentos onde pontificava Torres Campos ?que dera um parecer favorável à instalação de uma cimenteira para Manuel Queiróz Pereira ? apresentou queixa contra António Champalimaud por prejuízos de um milhão de contos, alegando que a Soeicom (empresa no Brasil) não estava a satisfazer o compromisso a que a Cimentos de Leiria (então integrada na Cimpor) era obrigada.
A sua primeira viagem ao Brasil foi em Setembro de 1953, e conhece em Minas Gerais Juscelino Kubitschek, que em 1955 seria eleito presidente da República do Brasil, cargo que ocupou até 1961. Em Março de 1969 é criada a Sociedade de Empreendimentos Industriais, Comércio e Mineração (Soeicom), está pensar em Vespasiano, Minas Gerais. Um dos projectos perdidos na voragem do 25 de Abril foi a construção de uma siderurgia na baía da Sepetiba, a sul do Rio de Janeiro, que chegou a ser aprovado pelo Governo brasileiro e onde mais tarde foi instalada uma refinaria.
Anos 90: o regresso e o fim de um grupo
Em 1977 vem a Portugal para o funeral da mãe. No entanto os ventos ainda não eram favoráveis. Para a esquerda era um ?capitalista?, um ?vilão?, um ?Rockfeller?, enquanto multiplicava as entrevistas ao semanário O País. Em 1985 chega a anunciar a eminência da sua candidatura à Presidência da República. Parece incompatibilizar-se com o Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva, e por todos os responsáveis pelas privatizações. Quando começa a ganhar os processos postos pelo Banco Pinto & Sotto Mayor, pela Cimpor e pelo congelamento dos seus bens pessoais, o Governo procura negociar de modo a que as indemnizações sirvam para António Champalimaud participar nas privatizações. A 14 de Abril 1992 adquire 51% da Mundial-Confiança por 18 milhões de contos. Entretanto, a privatização das cimenteiras é objecto de lobby por parte de Champalimaud e da família Queiróz Pereira, uma espécie de arqui-inimigo de Champalimaud. Este considera que o Governo de então opta por seguir a estratégia e os interesses da Cimianto e portanto deserta da privatização da Secil e zanga-se com o Governo. Em 1994, já com Eduardo Catroga como ministro das Finanças, reconcilia-se com o Governo e acaba por comprar, no segundo concurso (no primeiro a proposta do BCP foi rejeitada) 53% do BPSM por 37,2 milhões de contos. A 29 de Dezembro de 1994, ou seja, 40 dias depois, António Champalimaud tinha resgatado a maioria do Totta e do CPP ao Santander por 153 milhões de contos. Uma operação viabilizada por uma polémica interpretação ministerial que evitou uma dispendiosa OPA. E nestes negócios apenas investiu do seu bolso quando a seguradora aumentou o seu capital de 10 para 48,6 milhões de contos para acompanhar um reforço dos capitais do Sotto por via da compra do Totta/CPP.
1999 marca o fim do grupo financeiro de António Champalimaud. E como é seu timbre nem nesta implosão foi pacífico. Entre meados de 1996 e o primeiro semestre de 1998 as relações entre os dois grupos (Santander e Champalimaud) intensificam-se. Mas com a crise na América Latina e na Ásia param momentâneamente, para recomeçar entre Maio e Agosto de 1998. No entanto, até Dezembro de 1998 os contactos relativos ao futuro do Grupo Champalimaud ganham um cunho exclusivamente nacional (com grandes movimentações nos últimos três meses). No início da Primavera de 1999, Champalimaud diz ao Expresso que pode vender o grupo porque como diz só ?a honra não se vende?. Mantêm-se os contactos com o BES, BPI e BCP, que acabam por falhar. A 19 de Maio de 1999 Botin está em Lisboa para conversar com Champalimaud e a 7 de Junho o acordo está feito depois de 5 dias passados no Hotel Ritz. À tarde, no Ministério das Finanças, a reacção foi gelada. Sousa Franco, em contactos anteriores já tinha decidido toda a estratégia (já sabia do negócio por via dos contactos informais de Champalimaud junto de elementos do executivo).
Impugnar publicamente o negócio e, in extremis, avançar para uma ?guerrilha?.
Entretanto, com a vitória socialista nas legislativas, António Guterres anuncia a saída de Sousa Franco, cuja pasta passa para Pina Moura, que a acumula com a Economia. A 11 de Novembro, o ministro Pina Moura anuncia um novo acordo a ser implementado no 1º semestre de 2000, em que Champalimaud vende a maioria do Grupo Mundial-Confiança ao BSCH, que o revende à CGD para depois recomprar o Totta e o CPP. A seguradora e o Sotto ficam para a Caixa. No total são quase 1000 milhões de contos, incluindo as OPA obrigatórias. Champalimaud sai da banca por 301 milhões de contos, Pina Moura subtrai ao BSCH o Sotto e a Mundial-Confiança (que fica na CGD, até ver), enquanto os espanhóis ficam com o Totta e o CPP por 430 milhões de contos. Todos ganham e ninguém perde, porque entretanto o BCP compra o Banco Pinto & Sotto Mayor, recebe a CGD como accionista no BCP e como parceira de negócios nos seguros.
Morreu a 8 de Maio de 2004 em Lisboa e no seu testamento deixou consignada a Fundação Champalimaud, com uma dotação de 500 milhões de euros. Em 2007 a Fundação Champalimaud deu início à sua actividade de investigação com o lançamento do Champalimaud Neuroscience Programme (CNP) e em 2010 era inaugurado o Centro Champalimaud e iniciou a sua missão de prestar cuidados de excelência nas áreas oncológica e de neuropsiquiatria, apoiados em programas de investigação translacional.
Texto: Filipe S. Fernandes