Segundo um estudo da Organização das Nações Unidas Para a Educação, Cultura e Ciência (UNESCO) de 2006, só cerca de um quarto dos investigadores em todo o mundo são mulheres. Contudo, a sua distribuição pelos continentes é bastante desigual: 46% na América do Sul, 29% em África e 15% na Ásia. Na Europa, as mulheres […]
Segundo um estudo da Organização das Nações Unidas Para a Educação, Cultura e Ciência (UNESCO) de 2006, só cerca de um quarto dos investigadores em todo o mundo são mulheres. Contudo, a sua distribuição pelos continentes é bastante desigual: 46% na América do Sul, 29% em África e 15% na Ásia. Na Europa, as mulheres só representam 32% do pessoal dos laboratórios públicos e 18% dos laboratórios privados. Segundo um recente relatório da União Europeia: «As raparigas muitas vezes subestimam o seu próprio desempenho e a capacidade de realizar estudos de natureza técnica».
Curiosamente, Portugal ocupa, neste campo, juntamente com os países bálticos, um lugar de topo. A percentagem de mulheres portuguesas com uma profissão científica chega ao dobro da média europeia. São mulheres, em particular as mais novas, quem mais e melhor inova em Portugal. E embora este país tenha a receber lições do mundo em vários domínios, nesta esfera é exemplar!
Vários exemplos podiam ser dados do notável trabalho científico de mulheres portuguesas. Um bom exemplo, recente, é o trabalho de Mónica Bettencourt Dias, investigadora de 34 anos do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, que regressou a Portugal em 2006, vinda de Inglaterra, para dirigir o seu próprio laboratório. “Neste momento pode fazer-se boa ciência em Portugal”, afirma a cientista e prova-o na prática.
Formada em bioquímica na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, doutorada no University College de Londres, efectuou o seu trabalho de pós-doutoramento na Universidade de Cambridge, uma das melhores do mundo. Os resultados deste seu último estudo tiveram lugar nas mais conceituadas revistas científicas, que combinam importante investigação original com comentários de especialistas.
A saber, em Dezembro de 2004 publicou um estudo sobre o processo de divisão celular na “Nature”, em Maio de 2007, um outro artigo na “Science”, contendo avanços sobre o mesmo assunto e, em Setembro de 2007, foi tema de capa da revista “Current Biology”, com um estudo que, de certo modo, continua os anteriores.
Destaco também o facto de que, nos trabalhos referidos, outras mulheres tiveram um papel importante e foram mais uma vez exemplo: Ana Rodrigues Martins, de 25 anos (foi co-autora nos dois últimos trabalhos de Mónica Bettencourt Dias) e Inês Ferreira e Cláudia Ferreira (foram co-autoras no último). Como a elevada qualidade da ciência realizada pode ser avaliada pelo simples facto de a publicação ter sempre ocorrido em revistas com um enorme impacto na comunidade científica, quer dizer, cujos artigos têm um maior número de citações, é muito provável que esses artigos dêem, em breve, lugar a vários outros, e que os seus resultados se multipliquem em novos resultados.
E porque é tão importante a divisão celular? Porque a multiplicação celular está na base da vida… O ovo dá lugar à galinha precisamente através da proliferação de divisões celulares, havendo diferenciação de células de vários tipos. As tão faladas células estaminais são aquelas células indiferenciadas que se poderão ainda dividir de várias maneiras. Por outro lado, problemas na divisão celular estão na base de doenças tão terríveis como o cancro, que afinal resultam de um descontrolo na multiplicação celular.
Apesar da luta renhida que cientistas, médicos e outros profissionais de saúde movem, desde há muitos anos, contra o cancro, este continua a ser uma calamidade à escala global. Basta olhar para o relógio do mundo para verificar quantas pessoas já morreram, no mundo, com cancro desde o início do ano, sendo que foram estimadas, pela Sociedade Americana de Cancro, 7,6 milhões de vítimas mortais em 2007.
Depois das doenças cardiovasculares, as doenças cancerosas constituem a maior causa de morte em todo o mundo. Ora o trabalho de Mónica Bettencourt Dias e de suas colaboradoras consiste precisamente em conhecer melhor os “centros de controlo” da divisão celular, os chamados centrossomas, em particular os mecanismos bioquímicos que presidem a esse controlo. Tal como acontece em ciência, de um modo geral, as investigadoras não têm em mente a resolução imediata, por diagnóstico precoce e terapia adequada, deste ou daquele tipo de enfermidade cancerosa, mas sim a melhor compreensão do modo como funcionam os processos fundamentais da vida a um nível molecular. Mas, compreendendo melhor a vida, decerto que nos aproximaremos dessa meta almejada por todos que é a de viver mais tempo e com maior qualidade de vida.
Um facto curioso é o interesse da investigadora pela comunicação em ciência. Depois de, em Londres, no Birbeck College, ter frequentado um curso nessa área, tem organizado, em Portugal, com colegas seus, vários “workshops” sobre o assunto, sendo também autora de publicações que contêm conselhos práticos sobre o melhor modo de comunicar ciência. Este envolvimento activo na ciência, e na sua comunicação, ajudará decerto não só a uma melhor compreensão pública da ciência, mas também poderá aliciar mentes jovens para a ciência, em particular raparigas talentosas. O seu exemplo, tanto na produção como na divulgação de ciência, contribui decerto para um mundo melhor!